domingo, 13 de janeiro de 2013

A "sabedoria" dos psicopatas


Psicólogo lista as carreiras que atraem mais e menos psicopatas 

Executivo, advogado e policial estão no ranking das profissões com mais incidência
Cuidador, artesão e médico são as com menor propensão


MAÍRA AMORIM

RIO — Carismático, charmoso, destemido, firme, ambicioso e determinado. Um profissional com essas características tem grandes chances de se destacar no mercado de trabalho e, rapidamente, se tornar, por exemplo, um executivo de sucesso — justamente a carreira em que, segundo o psicólogo britânico Kevin Dutton, autor do livro “The wisdom of psychopaths” (“A sabedoria dos psicopatas”), há mais incidência de psicopatas. Depois de fazer uma pesquisa com mais de 5.500 britânicos, ele elaborou uma lista com as profissões que atraem mais e menos psicopatas no Reino Unido. Mas não há razões para se alarmar, diz Dutton.

O autor frisa que a associação imediata que se faz entre psicopatas e serial killers, estupradores, terroristas e suicidas é equivocada. E acrescenta que traços de psicopatia são frequentes em uma grande parcela da população, o que, em certas profissões, pode ser até bastante útil.

Além do charme, carisma, ambição e persuasão, são características que rondam o espectro psicopata o poder de manipulação, a frieza sob pressão, o foco, certo egoísmo e otimismo exacerbado. “Não há motivo para se preocupar se algumas dessas características se manifestam só no campo de trabalho em que atua. O problema é quando essas qualidades são levadas também para o dia a dia fora da ocupação”, afirma Dutton em entrevista disponível no Youtube.


Psicopatia não é algo do tipo "tudo ou nada"

— Na lista das profissões que mais atraem psicopatas aparecem áreas que têm mais pessoas com menos capacidade de empatia, menos habilidade de se colocar no lugar do outro e mais focadas em si próprias — afirma Fátima Vasconcellos, chefe da Psiquiatria da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro. — O executivo, por exemplo, precisa de frieza: muitas vezes ele já sabe que vai demitir alguns funcionários, mas não pode falar nada antes.

O mesmo vale para o cirurgião, que é o quinto no ranking de Kevin Dutton. “Você pode imaginar que jamais escolheria ser operado por um cirurgião psicopata. Mas algumas das características são justamente aquelas que você gostaria de encontrar nesse especialista: frieza sob pressão, foco e distância quando as coisas dão errado”, acredita o britânico.

Silvio José Lemos Vasconcellos, professor do Departamento de Psicologia da Universidade de Santa Maria (UFSM), Rio Grande do Sul, e pesquisador na área de avaliação e diagnóstico da psicopatia, concorda que algumas áreas de atuação podem ser mais tolerantes à manifestação de alguns sintomas psicopáticos. Mas faz uma ressalva:

— A psicopatia é um transtorno de personalidade diagnosticado por um conjunto de sintomas. Deixou de ser um transtorno do tipo “tudo ou nada”, mas não é uma síndrome facilmente identificável.

O que Vasconellos quer dizer é que não basta conhecer algumas características psicopatas para tentar diagnosticar o chefe ou colega de trabalho.

— É uma das entrevistas de diagnóstico mais difíceis que existe para um psicólogo ou psiquiatra, justamente porque os indivíduos são manipuladores — destaca Vasconcellos, que também vê alguns elementos plausíveis na lista de Kevin Dutton. — As carreiras que atraem menos psicopatas são aquelas que lidam diretamente com ajuda humana e que requerem uma reação mais empática do profissional.

É quando falta essa empatia que pode haver perigo.

— No caso de um vendedor que comercializa um produto que ele sabe fazer mal à saúde, de outro, por exemplo. É o psicopata corporativo, que vai passar por cima de quem estiver na frente dele com o objetivo de fazer sucesso — afirma Fátima Vasconcellos.


Polêmica: empresas utilizam teste

A psicopatia começa a preocupar algumas empresas americanas. Especialistas dizem que essa inquietação pode ter começado a crescer depois do caso de Bernard Madoff, o corretor de Wall Street preso em 2008 por ter dado um golpe de US$ 65 bilhões em seus clientes. Madoff foi diagnosticado como psicopata por especialistas.

— Ele deu um rombo em Wall Street, usando a capacidade de persuasão e de se colocar em situações de risco. Não matou ninguém, mas causou sérios estragos — diz Silvio José Lemos Vasconcellos, professor do Departamento de Psicologia da Universidade de Santa Maria (UFSM).

Lemos Vasconcellos diz que, inclusive, nos Estados Unidos, já existe um instrumento, o B-Scan 360, cujo objetivo é diagnosticar tendências psicopatas em funcionários de corporações:

— O instrumento foi criado para avaliar sintomas no ambiente organizacional, sem levar em conta aspectos criminais, como é mais comum.

Embora ainda esteja em fase inicial de uso, o B-Scan 360 levanta algumas questões polêmicas. Afinal, se o resultado der positivo para tendências à psicopatia, como deverá a empresa proceder em relação ao funcionário?

— É uma questão complexa. Na área criminal, a lei não sabe o que fazer com um acusado que tem o diagnóstico confirmado. A área organizacional também não encontrará uma solução tão facilmente — acredita Lemos Vasconcellos.

Segundo o britânico Kevin Dutton, autor de “A sabedoria dos psicopatas”, o alarme só deve soar quando uma pessoa, além das características como ambição, carisma e persuasão, tem um histórico de violência e de falta de estrutura familiar e escolar, além de baixos índices de inteligência. “Isso pode levar um indivíduo a ter sérios problemas. Já se ele não é violento, tem um bom histórico e é inteligente, poderá ser matador no mercado, no bom sentido”.


Britânico diz que psicopatas podem ensinar

O psicólogo vai além e diz, inclusive, que todos poderiam aprender com traços dos psicopatas. “Eles são mais assertivos, se recuperam rapidamente de decepções, tendem a não procrastinar, não têm medo de vencer e vivem o presente. Todos poderíamos nos beneficiar disso”.

Para Tânia Fontenele, doutora em psicologia social e do trabalho pela UnB (Universidade de Brasília) e especialista em gênero pelo Instituto de Pesquisa Aplicada da Mulher, porém, uma afirmação desse tipo requer cautela.

— É complicado afirmar que um profissional que é manipulador tem traços de psicopata. Nem todos que são motivados e trabalham muito são psicopatas por isso. Não podemos generalizar — ressalta Tânia.

Fátima Vasconcellos, chefe da Psiquiatria da Santa Casa de Misericórdia, concorda com a colega. E lembra que não é porque uma profissão aparece na lista das que têm menos incidência de psicopatas que essas carreiras só terão gente sem o transtorno.

— Um cuidador de idosos também pode ser um psicopata — destaca Fátima, que acha que, apesar de o ranking de Dutton ter sido feito com base numa pesquisa britânica, também vale para o Brasil. — A única diferença é que, aqui, eu também incluiria os políticos na lista das carreiras com mais tendências.


O Globo Online